terça-feira, janeiro 18, 2005

fácil

Precipitei-me. Dedilhei o piano imperceptivelmente, rocei as teclas sem as pressionar o suficiente para se obter som, de olhos esquecidos na janela sobejamente rasgada de luz do fim de manhã. Ficaste enterrada no sofá, presa em dúvidas. Sofá branco de sala branca. chegas a ti o pé direito, dobrando a perna, e pousando o queixo no joelho. Massajas os dedos e a planta. Esboças um esgar. Escorres o cabelo pela camisola e amarras-te no estômago já dorido. Atropelei-me na minha armadilha e confessei insustentado. Atirei-me à parede pelo caminho que queria evitar. Debitei palavras amaldiçoado pelos meus pensamentos, em contradição com a vontade. Deixei-te irreparável. Queria apoiar-te, mas sinto-me mais fraco que tu. Queria que me abraçasses também. Quando soube que tinha de te contar, o cenário moldou-se e fechou-se em si e em nós. A luz perdeu a dinâmica, o movimento, o espaço perdeu cheiro, com paredes a perecer e prateleiras sem cor. Os sons num abafo constante. Vi-me tonto a procurar o buraco em ti onde pudesse pousar delicadamente a minha mensagem, sem que percebesses que eu estava por perto. Rondei-te desequilibrado pelo espaço inerte. Precipitei-me. Aprendi contigo a amar o teu irmão e tomava-o como meu também. A perda foi tão monstruosa para ti como para mim. Não havia forma mais leve de dizer-to.

2 comentários:

Anónimo disse...

gostei muito principalmente das descrições promenorizadas mas não enfadonhas. tudo neste texto é muito subtil, lê-se com ligeireza mas o conteudo fica retido. da-nos a representação quase como se, de uma cena de um filme se trata-se.gostei

Anónimo disse...

gostei muito principalmente das descrições promenorizadas mas não enfadonhas. tudo neste texto é muito subtil, lê-se com ligeireza mas o conteudo fica retido. da-nos a representação quase como se, de uma cena de um filme se trata-se.gostei