segunda-feira, janeiro 10, 2005

as caixas descritas no conto que se segue, são de facto comercializadas. Inspirei-me nelas para escrever o conto

às páginas tantas

Alberto não tem o hábito da leitura, na verdade apenas folheou um ou dois livros em casa de amigos, apenas por mera curiosidade ou falta de ocupação. Ter-se abrigado da chuva no toldo da livraria foi o impulso que precisava para conhecer o vasto e complexo mundo das letras. Quando Teresa se mostrou bastante surpreendida, quase chocada, perante a confissão dele de que não sentia interesse pela leitura, Alberto ficou tremendamente envergonhado e prometeu a si mesmo que iria tentar ler qualquer coisa. O casal conheceu-se há 21 dias, num enfadonho jantar da empresa onde trabalha Alberto e a cunhada de Teresa. O percurso de ambos, desde então, não foi mais original que o dos inúmeros casais de namorados e actualmente constituem um feliz, recente e necessariamente pateta par de seres iluminados pelo universal amor. Teresa vive em constante sobressalto, assustada com o quotidiano moderno e vazio, de acordo com as suas convicções, usando como refúgio e universo alternativo ao que lhe impuseram o da leitura. Seja qual for o tema, podemos encontrá-la a ler enquanto bebe chá na baixa, ou espera o resultado das análises médicas. Não considera Alberto um ser desprovido de inteligência, mas a ignorância e desinteresse demonstrado pelo veículo de conhecimento e responsável por tremendas sensações, como é a leitura que lhe é tão vital, é para ela um motivo de desapontamento.
Sacudiu levemente o chapéu de chuva depois de fechá-lo, em frente à montra de livros e recordou a expressão de surpresa contida da sua namorada. Abriu a porta da livraria e sentiu o conforto do ar aquecido e atmosfera calma, contrastante com o clima agreste e o turbilhão de ruídos no exterior. Vasculhou de longe com rápida passagem de olhos, os mais diversos títulos e temas. Prendeu-se diante de algumas estantes de autores nacionais, com publicações de elevado apelo visual. Num dos cantos da livraria, estava exposto um conjunto de caixas que aparentavam fazer parte de uma colecção. Aproximou-se e constatou que embora tratando temas diversos, estas caixas eram compostas cada uma, de um livro e uma oferta, apresentados lado a lado, como se se tratasse de um conjunto de natal de água de colónia e gel de banho. Uma das caixas continha um exemplar de "Aromas e Terapias - Saberes exóticos" acompanhado de um frasco de essência de baunilha. Outra das caixas da colecção era vendida com o "Sonata ao entardecer em Villigon" e um CD de música clássica variada. Existiam várias embalagens com ofertas alusivas ao tema do livro incluído, como que a complementar a leitura e torná-la mais real. Alberto decidiu-se por uma embalagem cor de chumbo, com um revólver e a obra "Hei-de morrer como queres" de um autor estrangeiro de nome impronunciável.
Teresa mostrou-se reticente em relação à ideia das embalagens, talvez considerasse isso uma forma de diminuir o valor literário das obras, mas considerou louvável o esforço de Alberto e desejou que ele o tivesse feito por interesse próprio e não como forma de a agradar.
Após ter deixado Teresa em casa, Alberto decidiu-se a dedicar à leitura meia hora, antes de se deitar. Vestiu o pijama e o roupão, desligou o televisor e sentou-se na poltrona ao lado da lareira, iluminado pelo candeeiro de pé alto, nunca antes usado, oferecido pela anterior companheira. Abriu a embalagem, com dois compartimentos, retirou o livro e observou a capa e contracapa sem as ler, pousou-o e retirou o revólver. Este revela-se mais pesado do que supunha e possui no tambor três balas. O revólver parece real. Pousou-o, algo assustado e perplexo com a compra que tinha feito. O revólver não é um brinquedo, como seria espectável. Levantou-se, dirigiu-se ao hall, com o intuito de telefonar a Teresa e dar-lhe a conhecer a sua descoberta. Pegou no auscultador e no instante em que colocou o dedo no disco para girá-lo e marcar o primeiro número, recuou na sua decisão, por parecer-lhe prematura e injustificada. Sentiu-se como criança, assustada com o escuro e envorgonhou-se com isso. Sentou-se novamente na poltrona. Olhou para o livro, agarrou-o e depois de ler o titulo e o autor abriu-o. Hei-de morrer como queres.

Após ler o título e o autor, abri o livro. Nesta altura soube que o comprei com um único propósito. Encontrar-te. Não sabia se escreveste o livro sobre nós e falas de mim directamente ou se é mais uma das tuas histórias inconsistentes e paranóicas. A principio não relacionei os personagens connosco, nem os eventos que descreveste me pareceram familiares, mas entretanto, casualmente, ,percebi que usaste as nossas inciais, assim como as iniciais dos nossos amigos. Criaste uma cidade desconhecida, mas deixaste muitas pistas, intencionalmente, para que eu descobrisse a mensagem. Foste tu que te suicidaste Teresa, eu não te matei.

Alberto sentiu-se desconfortável com a coincidência. Mudou de posição na poltrona até enterrar-se numa posição mais agradável e continuou a ler. Sem se aperceber, a meia hora transformou-se em três horas, no entanto, ainda não tinha lido mais que a primeira página do livro. O telefone tocou. Alberto estremeceu de susto e quando se levantou para o atender, já tinha tocado pelo menos cinco vezes. A Teresa foi morta a tiro, Alberto. A Policia gostaria de falar contigo. Foi-lhe dito no meio de algumas frases difusas. Pousou o auscultador ainda de livro na mão e dirigiu-se à sala. Ao pousar o livro na mesinha, Alberto pegou na arma para guardá-la num local mais apropriado e decidiu retirar as balas do tambor. Apenas lá estavam duas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sempre achei q a literatura libertasse as almas mas nunca pensei ouvessem mentes q n aguentassem a responsabilidade que vem com a aprendisagem.

Tambem fiquei surpresa em saber que em Portugal essas americanisses de compra um producto e leva os outros todos gratis atarrachados ja tenha chegado.... sera q os consumidores ainda n deram conta q estao a pagar p tudo o q vem no pacote e ainda pagam o idiota q decidiu oferecer todas as coisas q n sabiamos q precisavamos ate eles nos esfregarem com aquilo na cara???

Acho q sabes qm sou. Sou a tua maior fan Fernando Pessoa II

Anónimo disse...

Gostava de continuar a leitura do thriller.Fico à espera... e vou lendo.
RedBaron

Anónimo disse...

essa irritante palavra - interactividade - aqui numa nova dimensão (outra palavra gasta). Arrepia, por isso parece-me bem :) (mas não é muito inovador, pois não? - ah, ah, ah! - mais um enjoo, e reconhecida impossibilidade, non troppo, contudo!). por falar em interactividade, e ridicularizando mais um pouco o conceito... Para RedBaron: se queres mais, compra o livro. esta história termina onde acaba. poder aos autores, abaixo o clintelismo! Maria