segunda-feira, janeiro 03, 2005

com amor

Concentrei-me no teu olhar. Tentei não tremer demasiado, deixar transparecer o meu nervosismo incontrolável. Mas és meu pai. Conheces cada ruga minha, sabes de cada episódio meu. Estiveste do meu lado, ou contra mim, ao longo destes anos todos, nunca ausente. Se me fixar no teu olhar de forma a esquecer-te as feições e a tua expressão, será mais fácil para mim disparar. Querer que não percebas a minha fragilidade é inútil, sair vitorioso é impossível. nem sequer te mostras surpreendido, nem mesmo derrotado. Nem desta vez, pela última vez, demonstras medo. Estás aí agarrado a essa cama, de mãos pousadas na barriga, mãos que me lembram o colo que me deste. que me lembram as viagens que criaste comigo a cortar o ar enquanto me seguravas acima de qualquer outra pessoa. Tens os dias contados, mas não temos todos? Escolheste morrer com amor, como em tudo o que fizeste. "É a vida que nos mata" disseste. Os únicos lugares comuns que suportei, foram os teus.

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