quarta-feira, dezembro 15, 2004

Khal Ldut

Em Khal Ldut as noites são noites. É um planeta sem luas e o fogo é um elemento indomável. Durante a noite a escuridão é soberana, plena, não há vislumbre da mínima partícula de luz. O planeta é partilhado por apenas duas espécies animais. Ambas carnívoras, ambas predadoras e presas. Privadas de olfacto, pobres de paladar e fracas de audição, têm como único recurso competitivo e apurado, a visão. Estes animais reconhecem o seu cheiro da mesma forma que uma pessoa reconheceria a folha de uma árvore à distância de cem metros. As capacidades cognitivas destas duas espécies é de tal forma ínfima, que não possuem a capacidade de distinguir pelo tacto, qualquer textura, não conseguem apurar o sabor da sua carne ou a do inimigo. Estão dotadas de uma inteligência praticamente inexistente, não sofreram qualquer evolução ao longo dos muitos milénios da sua existência. Utilizam o contacto físico na forma mais básica, como ferramenta de confronto e guerra. Ficam indiferentes aos sons e ruídos da natureza e os criados pelos adversários. Não reconhecem nem interpretam como alertas, os sinais provenientes dos mais variados sons.O paladar não tem utilidade alguma nem constitui fonte de prazer. Seriam capazes de se comer a si próprios ou os da sua espécies, se não estivesse intrínseco a sua organização em grupo. São espécies organizadas socialmente, dotadas de instinto de sobrevivência colectivo. Coexistem há milénios, caçando-se, alimentado-se, exterminando-se, extinguindo-se mutuamente. Durante o dia empreendem longas expedições de caça e intermináveis lutas pela disputa, não do poder, mas da carne que oferecem involuntariamente, arrancada dos próprios corpos, ao vencedor. Vivem da caça, vivem para a caça. A reprodução é involuntária. Não decorre de nenhum ritual, de nenhuma necessidade física, de qualquer instinto sexual ou de poder. Não se estabelece nenhum ciclo ou padrão, em qualquer das duas espécies, no que diz respeito à fecundação. Não existe acasalamento. Durante a noite, na impossibilidade de se moverem no absoluto vazio, permanecem imóveis, em grupo, em silêncio, acordados ou a dormir. Por vezes os inimigos distam-se de escassos metros, sem se confrontarem, por não se reconhecerem.
Khal Ldut é um planeta sem recursos hídricos úteis. A sua superfície é seca e rochosa. As chuvas foram raras e ocorreram duas tempestades, nos últimos 3500 anos. A vegetação é praticamente inexistente e é constituida por ervas, nas zonas mais próximas da água. Não chove há 1500 anos. Existe em todo o planeta, um pequeno lago, no hemisfério Sul. Não existem árvores de fruto. O clima é uniforme ao longo dos tempos de forma que o conceito de estações climáticas não é aplicável. O tempo divide-se unicamente, na caça e no descanso, em dias e noites, em luz e trevas.
Os Shidfea são criaturas com pouco mais de cinquenta centímetros. Têm o corpo revestido de escassos pêlos muito curtos e a pele azulada muito enrugada. A sua cabeça é pequena e achatada, como se tivesse sido espalmada, empurrada para o pescoço. Não têm lábios, têm uma língua muito curta, com as narinas largas e afastadas,horizontalmente ao nível das orelhas e sem nariz. As orelhas assemelham-se às dos gatos mas sem qualquer pêlo. Os olhos são pequenos, semicerrados e baços. Usam as duas patas inferiores para se moverem, mas para atingirem velocidades superiores, utilizam igualmente os braços. Os Dímilos são semelhantes aos Shidfea em tamanho, mas estão cobertos por pêlos longos e espessos, têm cauda e a sua lingua é mais comprida e áspera. A cabeça é redonda e têm as narinas mais pequenas e próximas uma da outra. Têm as quatro patas semelhantes, sendo quadrúpedes.
Existem três grupos sobreviventes, dois de Shidfea e um de Dímilos, em todo o planeta. Um dos grupos de Shidfea vem do Norte e é constituido por apenas dois elementos. Dos quarenta e dois animais do grupo original, existiam desde o ano passado, sete. Destes, cinco ficaram gravemente feridos, resultado da última luta com um grupo de Shidfea, acabando por morrer de fome. Os dois sobreviventes dirigem-se para Sul.
O dia nasce. Os Dímilos são atacados pelos dois Shidfea do Norte. Apesar de estarem em desvantagem numérica, os Shidfea resistem e conseguem reduzir os Dímilos a cinco elementos, antes de serem mortos. À luta sobrevive um espécime Dímilo que acaba por morrer ferido no dia seguinte. Ao fim de um mês extingue-se o grupo do Sul de Shidfea. A fome afectuou-lhes a visão e a orientação, acabando por envolverem-se numa luta confusa, fatal, entre si mesmos.
Em Khal Ldut as noites são dias. O lago seca de dia, seca de noite. O tempo divide-se apenas em luz e trevas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Ora cá está um universo literário a explorar. Pode vir a ser uma boa alternativa a Tolkien.

Anónimo disse...

Não sou do universo de Khal Ldut, mas também já partilhamos um outro, se bem que bastante mais comum.
Estou aqui para te dar um beijo e dizer que fico à espera do próximo capítulo.
Quem sou eu?

TalKyrte

Anónimo disse...

Gostei, mas acho que acabou de forma tao rapida.....Foi a la "Magnolia" veio a chuva de sapos e e o fim da historia. Continua a historia...... nao mates os personagens antes de nos os ter-mos conhecido.

Beijo na bunda :).