terça-feira, dezembro 28, 2004

e viveram felizes para sempre

Quase escorregou na lama, de vestido branco e sapato de donzela. As pernas fraquejaram e a vista a enganou. Escondida na capa negra, fugiu do esposo e desceu a encosta do castelo até ao rio. Eram então três horas da madrugada. Deixou o príncipe entregue ao pesado sono, ao cansaço, a ressonar na poltrona em frente à lareira. A curiosidade era muita. Ao fim de todos aqueles anos, ao fim de tantas voltas e armadilhas, de tantos partos e enterros, soube que a madrasta estava a viver na aldeia do outro lado do rio. Apesar das dores intensas nas costas e do frio cortante, Branca chegou à aldeia. Empurrou com as mãos trémulas, a pesada porta de madeira de uma pequena casa e encontrou curvada na cadeira, uma velhinha cega, suja e podre. Uma lâmpada quase apagada na mesa e cascas de laranja espalhadas no chão, denunciavam pouca vida ali. No ar paira o cheiro de imundície e esquecimento. A senhora mais morta que viva com as suas roupas rotas, arrastou os olhos até os de Branca, onde permaneceu alguns segundos e deixou-os cair ao longo do corpo da visita. Pouca diferença havia nos vincos das suas rugas. Pouca beleza havia nos cabelos desgrenhados de ambas, nas ancas alargadas no tempo, no corpo ossuda e pele manchada, no olhar baço. Branca tirou a sua capa, fechou a porta, acendeu uma fogueira no fogão e cobriu com a sua capa, as costas da madrasta. Pouco ódio sobreviveu naquela sala. As duas velhas pouco disseram uma à outra, mas daí em diante e até ao fim das suas vidas, não mais se apagou o lume do fogão, não mais saíram da aldeia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu disse que não sabia o que comentar :P
Quando leio algo teu, acho tao perfeito, tao bonito, tao fantastico, tao apaixonado que fico sem qualquer palavra para comentar. E prefiro nao comentar e ficar com o texto dentro de mim do que fazer daqueles comentarios tipo: "AI COISA LINDA!".
Não posso criticar um texo deste nivel. So posso vangloriar. Mas nao tenho capacidade para dar as merecidas palavras.

João

Anónimo disse...

Cheio de poesia!...

RedBaron