quarta-feira, setembro 24, 2008

zero

Era pequenino. Do tamanho de uma formiga. Consegui vê-lo porque o fundo de tão branco o descobriu. Havia tanto brilho em redor que ironicamente se destacou pela palidez. E de imediato entranhou-se um desconforto, uma desconfiança, uma doçura. É por puro preconceito que se sorve esta misericórdia e não há de nenhuma forma indefesa formada. E lá estava minúsculo, quieto. Do que menos há de brilhante, o mais radioso. Mas depressa esquecido. Do menos orgulhoso, vaidoso, narciso, emproado, o mais proeminente e num instante ignorado. A estrela sem cintilo. Esconde-me também. Mete-me torcido no furo, pega-me e dobra em partes muitas, que bem esforçado eu bem caibo e sobra-me espaço de sobra. Deixa-me dormir um pouquinho só, aqui metido no escurinho, no silêncio e longe dos dias todos ao sol, á luz, ao burburinho das conspirações e promessas dos maiores e dos mais capazes e dos mais ambiciosos e mais amados e amantes. Deixa-me deitar um pouquinho aqui nas entranhas da minúscula falha, afastada das conversas de cores e mundos, viagens de célebres feitos, de imagens de glória e terror e de indiferença e de gargalhadas, de choros, de lástimas, de dós, de gentes, de todos os que não são gente também, e dos outros que não todos, e de todos além desses. E longe de mim. Hoje quero apenas diluir-me no pequenino furo, na parte não visível. E deixar-me esquecer as coisas das coisas todas que fazem tombar os heróis e os tristes. Que cobrem de glória e vergonha todos os que, de todos, são cobertos pelo mundo, pela multidão, pelo esplendor, pelo horror, pelo impulso inevitável e incontrolável que arrastam todos aqueles que, de todos os seres, são os que caminham, que desbravam, que arrasam e se inconformam com o que de menos ofuscante tem o tempo e os instantes e as partes mais e menos virgens destruídas e bem ou mal construídas do mundo. Fosse possível sacudir para o chão minha pele. Descascar o meu corpo. Despir o peso e a forma da minha carne, dobrá-la e pousá-la na prateleira acima da minha vista, afastada. Fechar num frasco baço, opaco, o meu pensamento e o meu ser, para que não possa lembrar-me de quem já não sou. E deleitar, ignorante, o vazio. Como os brevíssimos segundos que encerram um orgasmo. E ficar suspenso nesse vácuo por toda a nulidade.

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