sexta-feira, outubro 10, 2008

parto

Porque ninguém vai hoje entrar neste hospital. Porque eu não sinto que ajude alma alguma. Porque as luzes verdes amarelam os bancos e já doentes tossem estas portas. Porque o pó enche este silêncio. Porque a sala dormida de febre. Porque as esperas suam desespero e ódio. O vírus radia da TV. A noite aqui não entra. Hoje ninguém entra neste hospital. A morte já está cá.

 

O telefone. A emergência. Quanto é que dou a alguém? Quanto é que empresto de ajuda, quanto me entrego? Quanto é meu desta sala de bocas e gritos digitalizados amarfanhados e diluídos em piadas mortais? Quanto há de humano nestes ecrãs e telefones. Quanto há de urgente nestas vozes? Quantas vidas salvei? Quantas vezes matei?

O telefone toca. É morte?

 

Os pés. Mexer. A casa. O escuro. Luz. Sair de casa. O telefone. Não é dor. Não tem nome. Tenho nome? Falar.

 

Com contracções de 3 em 3 minutos.

Peço desculpa mas não estou a compreender, está a dizer que VOCÊ está com contracções? Que vai entrar em trabalho de parto?

Sim, por favor! Mande alguém rápido!

Está alguém consigo?

Não, estou só.

(…)

Dê-me a sua morada, por favor.

 

Não são dores, não há nome para isto. Não há tempo para isto, não corre nem anda tempo para isto. Corredor, portas, parquet, luz, escadas. Escadas não. Luz, gás, onde está a mala, corredor, traz adiante, pés. Pede aos pés, mexem-se, não há dor, não há nome para isto, venham rápido. Corredor. Há tempo? Não é dor. A chave, os pés, mexam-se. Quanto tempo? Há tempo?

 

Passa-se qualquer coisa de errado, não compreendo.

Minha senhora, não vê o meu estado?

Mas isto é uma piada?

Foda-se! Levem-me.

Não há tempo.

 

Preta! Dona Preta! Ajuda-me! Esta mulher não me vai levar a lado nenhum.

 

Meus Deus, mas está quase a nascer! Mas não vai para o hospital?

Mas você está a ver o mesmo que eu?

Porra de mulher, mas não é uma ambulância, mas não vai nascer um bebé?

 

Isso Preta! Dá porrada nessa puta e levem-me daqui que não aguento.

 

Mas não vê que é um homem?

E não vê que a criança vai nascer?

Mas vai sair por onde?

Caralho, salvem este homem!

 

Eu vou morrer Preta. Eu não aguento.

 

Vai sair por onde?

 

E insiste.

Eu só estou grávido. Eu não tenho respostas.

 

 

Mas a obrigação da senhora não é levá-lo? Este homem precisa ajuda.

 

Preta, eu não aguento. Preta, eu vou. Parto.

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