segunda-feira, outubro 13, 2008

o quarto

Há um segredo debaixo da almofada, que repete da mesma forma os dias. Há um gravador com uma mensagem fastidiosa, desconfortável mas necessária, que debita reguladas instruções e tarefas a executar no dia que se levanta. Há uma luz da mesma forma matemática e geometricamente precisa a desenhar volumes e riscar superficies. Uma luz quotidiana, eficaz, regular, moderada, ecológica, natural, económica e desinteressada sobre tudo, a não ser desempenhar a simples função de iluminar sem pretensões, um espaço ritmado por ordens compassadas. Há um som de discurso cuidadosamente articulado e sílabas vincadas e imaculadamente ditadas, um único som que preenche maquinalmente o silêncio absoluto nos seus calculados intervalos. Há um quarto morto com a teimosa disposição dos móveis despidos de valor e intenções a não ser as de preencher o menos óbvio espaço, o menos útil espaço e aí ocupar o que lhes foi permitido. Há contornos tristes de reflectidas frias luzes e desanimadas cores mas sem disso saberem, por ter-lhes sido ordenado que não provocassem nenhuma sensação, que não induzissem ao que quer que se possa sentir, um único pensamento, uma única dúvida, um único sentimento, uma única emoção. Estas superfícies foram programadas para não serem vistas, ouvidas, cheiradas, repetidas, memorizadas ou adivinhadas. Os momentos passados neste espaço são invisiveis. Há um corpo em posição suspensa. Em desalinho, dissonante com o quarto, desajustado ao espaço, apenas condizente na expressão simples, mínima e serena, de um rosto recto, inexpressivo, intemporal. Há um corpo justo, proporcional, ponderado, propositado.

 

O dia hoje, lá fora, é diferente dos outros dias. O dia lá fora, é, tal como nos outros dias, diferente de todos os restantes. O dia é diferente deste quarto, mas lá fora. O dia lá fora é sempre diferente, exceptuando a única coisa em que o dia é igual aos outros. O dia é apenas igual aos outros dias, lá fora, pelo facto de que tu não estás lá fora. Tu nunca estás lá fora e nisso os dias são todos iguais. Neste quarto, tens de ser diferente todos os dias, como o são os dias lá fora, com a excepção de que nunca estás lá fora. Tu estás sempre neste quarto e essa é a única coisa que te é permitida ser igual todos os dias. Os dias cá dentro têm de ser todos os dias diferentes, tal como são lá fora. Os dias cá dentro são sempre diferentes, com a excepção de que esta mensagem é igual todos os dias e tu nunca estás lá fora. Hoje vais ser diferente como és diferente todos os dias, excepto lá fora, onde és sempre igual porque nunca estás…

O dia hoje, lá fora, é diferente dos outros dias. O dia lá fora, é, tal como nos outros dias…

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